Saúde infantil exige mais do que consultas e vacinas


Alimentação, controle de telas, brincadeira e apoio emocional são essenciais para o bem-estar das crianças

A cearense Maria Valdeci Silva trabalha todos os dias como empregada doméstica no Rio para garantir aos filhos Gustavo e Isabelle, que cria sozinha, saúde, educação e comida na mesa. Os dois têm a caderneta de vacinação em dia, não faltam à escola e têm o arroz com feijão como base de suas refeições. Representam um futuro pelo qual o país anseia, em que a Constituição prioriza os direitos da criança, mas que ainda tem muitos desafios a vencer para fazer jus à citação atribuída a Nelson Mandela: “Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a forma como esta trata suas crianças”.
 
Uma das políticas públicas para melhorar as condições de vida das crianças é o Programa Saúde na Escola (PSE), que completa 18 anos em 2025, e integra os ministérios da Saúde e da Educação. O objetivo é transformar o ambiente escolar em um espaço de desenvolvimento com qualidade de vida.
 
Em 2025, registramos um aumento de 20% na cobertura vacinal de crianças até 5 anos. Chegamos à adesão de 98% dos municípios. Mais de 24 milhões de estudantes se beneficiaram com alguma das mais de 1,4 milhão de ações em quase 100 mil escolas em 2023 — detalhou a secretária de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Ana Luiza Caldas.
 
Para a pediatra Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbin), levar as aplicações a creches e escolas mudou o cenário nacional de baixa cobertura vacinal que se desenhava há dez anos:
 
Os índices de vacinação aumentaram e três bateram a meta: tríplice (sarampo, caxumba e rubéola), BCG e pólio, em fevereiro de 2025. A cobertura vacinal do HPV também melhorou, mas ainda temos um problema grave de falta de homogeneidade entre os estados. O Norte tem adesão baixíssima, não chegando a 30% de cobertura vacinal. E, com isso, são criados bolsões de doença, como aconteceu com o sarampo, que podem gerar surtos no país.
 
Muitos dos dados estão no Anuário VacinaBR 2025, publicado este ano com dados até 2023, elaborado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC) com apoio da Sbim e parceria do Unicef. O documento traz dados compilados e analisados sobre vacinas e serve de referência para quem busca compreender o panorama vacinal brasileiro. Apesar da recuperação iniciada em 2022 e acelerada em 2023, o relatório mostra que nenhuma das vacinas infantis atingiu as metas de cobertura estabelecidas pelo PNI em todos os estados até 2023.
 

Cuidado com as telas 

A comunicadora Laila Benchimol, mãe de Eric, de 4 anos, e Igor, com 1 ano e meio, é uma das entusiastas da vacinação:
 
Além de ser bom para o coletivo, deixa todos mais tranquilos quanto à socialização da criança, sabendo que ela está segura e que se pegar alguma doença será de forma mais branda. 

Outros fatores, além da vacina, também são pilares da saúde na infância, segundo Daniel Becker, especialista em saúde pública e uma das principais vozes pelo bem-estar da criança e pela regulação do uso de telas:

É preciso cultivar um vínculo forte com os pais, que garanta intimidade. E para isso criança e adulto devem estar longe das telas. Ter uma alimentação saudável e também o brincar, pelo menos uma hora por dia, ao ar livre. Aumenta a imunidade, melhora a capacidade cardiorrespiratória, traz força muscular, combate a miopia, melhora o sono e a aprendizagem e afasta as crianças das telas.

Francisco Bacellar Freudenfeld, de 12 anos, segue ao pé da letra essa cartilha.

Ele hoje troca qualquer tela para surfar com os amigos, andar de bicicleta ou jogar futebol. Mas, olhando para trás, vejo que sempre foi muito estimulado a brincar livremente. E sempre conviveu com muitas crianças, na creche. Nunca foi um menino sozinho — conta Paula Bacellar, mãe de Francisco.

As atividades de Francisco também ajudam a combater a obesidade e a se alimentar melhor. Gabriela Kapim é nutricionista especializada em crianças e tem uma colônia de férias, “Na Cozinha com a Kapim”, cujo propósito é despertar autonomia e autocuidado, além de aumentar o repertório alimentar:

É um espaço de experiências onde o alimento é nossa principal ferramenta de diversão e interação. As crianças brincam, cantam, cozinham. O objetivo não é fazer ninguém comer. É, sim, propor uma vivência em que a criança participa das escolhas, do preparo dos alimentos, do convívio à mesa.

Há também um outro ingrediente que não pode faltar à vida de uma criança: a nutrição emocional. Para a psicopedagoga Zanella Grandi, este ainda é um tema pouco explorado:

Fala-se muito sobre o desenvolvimento cognitivo e físico dos filhos, mas, com relação ao mundo das emoções, percebo um silêncio maior. É importante validar e nomear os sentimentos com os filhos, criando um lugar de segurança e acolhimento para expressarem seus medos e inseguranças.


Fonte: OGlobo

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