O chá de lingerie: ridiculamente desejado

Sem pejoração, apenas reflexão

Os domingos têm seus perigos! Ora trazem energia para ganhar uma maratona ora cobrem os corpos de preguiça, e há aquele domingo que é puro dia de saudosismo. Joana acordou em um domingo que, inicialmente, parecia saudoso, depois preguiçoso e por fim, reflexivo. Toda a reflexão que se fez presente, logo que ela acordou, foi motivo de reencontro com muitas memórias, percebeu que havia um tempo de apagamento em sua trajetória, que ela, inconscientemente apagara de suas lembranças. Mas esse domingo uma recordação a fez pensar sobre quem era e como as escolhas que fez ou que não fez, ou que não foi permitida fazer a transformaram enquanto mulher. E foi revirar uma caixa de fotos antigas para rememorar vivências.

Entre os pacotes, Joana encontrou a foto de uma comemoração entre amigas e recordou de um chá de lingerie que elas participaram – era uma época em que casamento era sinônimo de “festa pseudoerótica”, uma espécie de ensaio para a vida sexual que seria “apimentada” por lindas peças de lingerie, óleos, alguns brinquedos eróticos. Claro, isso para mulheres brancas, de classe média, quase que em sua totalidade e responsáveis por realizar os desejos dos companheiros que logo mais seriam seus maridos.
Joana participara de alguns momentos desses, pois naquele ano quatro, das nove amigas, contraíram matrimônio e embarcaram no sonho da vida conjugal. Foram quatro casamentos e três chás de lingerie. Para uma das noivas, escolheram fazer chá de cozinha. Joana participou. Levou um espremedor de alho (utensílio de grande utilidade). Os convidados foram casais de amigos que tomaram vinho e degustaram os quitutes preparados pela noiva

Joana, dona de sua maturidade atual, parou desconfiada e pensou: por que não houve a chá de lingerie de Teresa? Vasculhou sua memória. Buscou fotos, procurou nas lembranças do Facebook e confirmou que não houvera o chá de lingerie e sim um chá de cozinha. Só de lembrar, Joana, sentiu horror (kkkkkkkk). “Que mulher é essa que vai viver na cozinha!!!”. Definitivamente não combinava nada com Teresa.

Não satisfeita, Joana manda mensagem para Teresa e pergunta o porquê de não ter feito a festa erótica já que ela se envolveu tanto para organizar a festa das amigas. Ela não se surpreendeu quando Teresa disse que, naquele período, queria muito a festa de lingerie. Que esperou ser surpreendida pelas amigas com a proposta para a preparação, mas que nenhuma considerou e ela calou-se. Seguiu e aceitou o chá de cozinha, mesmo tendo uma casa montada. 

Joana sentiu uma certa tristeza, pois entendeu que a amiga sentiu que teve um tratamento diferente. “Fácil compreender: ela era mãe, divorciada e iria se casar, já era um presente muito bom para os moldes sociais da época.”, palavras de Teresa, que continuo a dizer que sentiu sua alma feminina desconcertada, ela tinha apenas 28 anos, era uma jovem mulher, com os mesmo sonhos, mas que precisava lutar contra muitos preconceitos e, por mais que fosse evidente o quanto era independente, reconhecida por muitas qualidades, faltava o trato moral de muitos, passava por julgamentos que a excluíam. 

Hoje, para Teresa, foi apenas um dos tantos acontecimentos em que se sentiu diminuída, até mesmo por mulheres, enquanto mãe solteira, divorciada, uma mulher que imprimia amor com muita facilidade e acolhia com uma calma e uma sinceridade invejáveis.

Pôxa! Quantas Teresas estamos abandonando, como podemos negligenciar tantos sentimentos femininos, que lugar ocupamos na vida das nossas amigas, colegas, familiares e todas as mulheres que nos cercam? Como as meninas, adolescentes estão lidando com os sentimentos delas e das amigas? Que lugar ocupam nesse universo e =m que mulheres com mais idade buscam reconhecimento e lutam por igualdade?

A manhã de domingo deu lugar a uma tarde cheia de questionamentos, a começar do ideal de mulher que precisa criar, inovar e produzir-se para agradar os maridos, que escondem desejos e, em muitos casos, não são respeitadas em suas vontades, posicionamentos. Joana achou ridículo pensar em chá de lingerie no auge de seus 40+. Mas sentiu a dor de Teresa que esperava ser agraciada e não apenas agraciar. Logo Teresa, uma mulher f**a daquela, invejável por seu compromisso com sua família e amigos, uma profissional valorizada, que imaginaria que ela sentira tudo aquilo.

Mas, ficamos por cá! Refletindo sempre sobre as outras pessoas e como podemos ser a pessoa que cria pontes e não poços profundos.

Na dúvida, pergunte! Na solidão, seja apoio! Na felicidade, compartilhe sorrisos! Na dor, não negligencie! 

Para Joana, ficou a sensação de que estamos sempre em construção e que falar com Teresa fez com que ela pudesse entender que as mulheres estão sempre em obra, construindo, organizando a si mesmas para serem INCRIVELMENTE FORTES, mas nem por isso, SEMPRE FORTES.

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