Sem menção a Jair Bolsonaro em conversa, expectativa é aprofundar debate conerciak
O telefonema entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Donald Trump, dos Estados Unidos (EUA), animou grandes empresários brasileiros e associações representativas de setores exportadores ainda atingidos pelo tarifaço.A avaliação é que a “diplomacia empresarial”, como chamam a pressão que fizeram sobre autoridades americanas nos últimos meses, teve papel complementar à diplomacia oficial brasileira, mas crucial para abrir o diálogo com Trump e para que as conversas sejam orientadas pelo comércio, e não por assuntos ideológicos.
Empresários que têm atuado nos EUA junto com a iniciativa privada americana afetada pelo tarifaço afirmam que o telefonema com Lula e o fato de Jair Bolsonaro não ter sido diretamente mencionado evidenciam a perda de protagonismo político do blogueiro bolsonarista Paulo Figueiredo e do deputado federal Eduardo Bolsonaro nos EUA.
A negociação se concentrar em termos comerciais, avaliam, seria uma vitória do movimento, que inclui reuniões com parlamentares republicanos e integrantes do alto escalão do governo Trump.
Outra avaliação entre os empresários é que, uma vez que entrando no tête-à-tête, Lula deve conseguir ampliar o número de isenções a exportadores brasileiros ainda neste ano. No melhor cenário, conseguiria reverter sanções como a cassação de vistos a autoridades.
Um grande executivo ligado ao setor de exportação de proteína, um dos mais afetados pelo tarifaço, explica que os preços da carne aumentaram nos EUA em razão do tarifaço e que há uma grande pressão dos importadores americanos de carne para que mercadorias vindas do Brasil entrem na lista de exceções. Em reuniões com representantes do governo americano, importadores já argumentaram que o tarifaço pune os próprios americanos.
Os Estados Unidos, afirma um executivo do setor, têm hoje um dos menores rebanhos dos últimos 70 anos e produzem principalmente Angus, um corte mais caro do que a maior parte da carne brasileira que os americanos importam.
O próprio Joesley Batista teve uma série de reuniões com autoridades americanas em setembro. O empresário, um dos controladores da gigante de carnes JBS, fez parte de uma comitiva liderada por João Camargo, presidente do conselho do Grupo Esfera, que se encontrou com Susie Wiles, chefe de gabinete da Casa Branca, em 11 de setembro.
Na conversa, Batista falou que seu grupo emprega diretamente mais de 90 mil americanos e que o tarifaço prejudica não só o segmento no Brasil, mas também o bolso do consumidor americano e os planos de investimento do setor nos EUA.
O empresário, que também está no grupo de controle da gigante da celulose Eldorado, também defendeu a isenção das exportações do setor aos EUA. No início de setembro, o governo americano retirou sobretaxas sobre as importações americanas de celulose.
Exportadores do setor de proteína acreditam que o movimento de pressão doméstica nos Estados Unidos é importante e que, se permanecer a boa relação entre Trump e Lula, as tarifas para o setor de proteína animal podem ser reduzidas ainda neste ano.
O setor cafeeiro no Brasil também tem buscado interlocução direta com empresários e governo americanos. Marcos Matos, presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cacafé) se diz otimista quanto às conversas entre Lula e Trump.
— Para nós, esse começo de diálogo já ajuda. Temos tido auxílio nas nossas demandas do William Bill Murray, (CEO da National Coffee Association). E ele me disse estar muito otimista com essa conversa (entre Lula e Trump). Nossa agenda é mostrar os impactos negativos do tarifaço ao consumidor americano. Desde o tarifaço, a cotação do café arábica aumentou 40% na bolsa americana — explica Matos.
Já ó presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, conseguiu emplacar uma isenção a aviões civis no tarifaço de 50%, após reuniões com representantes do Departamento de Comércio dos EUA. Gomes Neto foi pessoalmente aos Estados Unidos para travar os diálogos e obteve a isenção ainda antes do início da vigência do tarifaço.
Associações setoriais e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) fizeram movimentos similares em seguida. Uma comitiva de empresários esteve nos EUA em setembro e se reuniu com o número dois da Secretaria de Estado, Christopher Landau, além de ter sido recebida pelo Departamento de Comércio e pelo United States Trade Representative (USTR), órgão que investiga as práticas comerciais com base na Seção 301.
José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), que esteve na comitiva da CNI, se diz otimista com a abertura oficial do diálogo entre Lula e Trump.
— O Brasil é importante para os Estados Unidos, mas não super prioritário. A pressão de empresários americanos que são nossos importadores e próximos dos republicanos ajuda a trazer a questão para o lado econômico. Alguns foram doadores de campanha. A maioria das exportações no setor industrial, mais de 80%, é entre filial e matriz, dentro de grandes companhias. Não faz sentido taxar e parece que o governo americano começou a ouvir — afirma.
Velloso afirma que o governo do Brasil tem condições de negociar concessões comerciais em temas que são relevantes para os americanos, a exemplo dos minerais críticos e do etanol.
— Chegou a vez do Brasil sentar na mesa para negociar com os Estados Unidos. E, pelo que eu entendi, em nenhum momento falou-se de Bolsonaro. Foi só coisa econômica no telefone, e isso é bom — diz Velloso. Há espaço para ampliar a lista de exceções neste ano, avalia ele, mas dificilmente um acordo comercial entre os dois países sairia no curto prazo. — Os Estados Unidos ainda desenham acordos com Europa e Japão. O Brasil é importante, mas não prioritário nessa lista.
Reservadamente, outro grande empresário da indústria diz que o movimento da iniciativa privada brasileira, inclusive do agronegócio, ajudou a contrapor a narrativa de Figueiredo e Eduardo Bolsonaro junto a tomadores de decisão do governo americano. A tendência é que, uma vez aberta a negociação econômica, a dupla perca a hegemonia da narrativa política, avalia.
Para Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), o movimento empresarial foi importante para a abertura de um diálogo. O setor também é afetado pelo tarifaço, visto que somente a corda de sisal está na lista de isenções ao tarifaço de 50%.
— A diplomacia empresarial é complementar e não concorre com a oficial. Nesse caso, é difícil quantificar o quanto ajudou, mas certamente tem colaborado muito para se estabelecer um diálogo. Precisamos aguardar os próximos passos, mas a perspectiva é boa — diz Pimentel.
Fonte: Agência O Globo
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