As melhores evidências não apontam relação entre uso de Tylenol na gravidez e o transtorno
Em entrevista, pesquisador diz que mensagens conflitantes são um desafio
Trump diz ter descoberto a causa do autismo: o uso de acetaminofeno (tylenol) na gravidez. O JAMA (Journal of the American Medical Association) ouviu o professor Brian Lee, autor do melhor estudo já feito sobre o tema. Eis os destaques. JAMA - Gostaria que descrevesse os principais achados do estudo que vocês publicaram.
Lee - Nosso estudo, conduzido na Suécia, analisou 2,5 milhões de gestações e acompanhou mães e filhos por mais de 20 anos. A história tem duas partes. A primeira parte é que, ao comparar filhos de mães que usaram acetaminofeno com filhos de mães que não usaram, observamos uma aparente associação estatística entre o uso do medicamento e o risco de autismo, TDAH e deficiência intelectual. Mas associação não é causalidade. A segunda parte é que queríamos testar se essa associação era causal. As mães que usam acetaminofeno são diferentes daquelas que não usam; elas podem ter dores de cabeça, infecções, febres —condições que já foram associadas ao autismo e são o que chamamos de "fatores de confusão". Para testar isso, fizemos uma análise de controle de irmãos, comparando irmãos dos mesmos pais, onde um foi exposto ao acetaminofeno no útero e o outro não. Isso ajuda a controlar o "enorme elefante na sala" que é a genética, já que os transtornos do neurodesenvolvimento são altamente hereditários. Quando fizemos a análise de irmãos, todas as associações estatísticas desapareceram completamente. Em outras palavras, as associações não pareciam ser causais.
JAMA - O que vocês fizeram para tornar o desenho do estudo o mais rigoroso possível?
Lee: Primeiramente, graças ao sistema de registro de saúde sueco, tínhamos um histórico médico abrangente das mães, pais e filhos, o que é crucial para controlar os fatores de confusão como infecções ou artrite reumatoide. Usamos métodos estatísticos de ponta para controlar esses fatores. Além disso, os dados sobre o uso de acetaminofeno foram coletados prospectivamente, ou seja, no momento da gravidez, o que reduz problemas de memória que ocorrem em estudos retrospectivos.
JAMA - Por que os resultados desse estudo podem diferir daqueles outros estudos que relatam associação?
Lee - Existem muitos estudos sobre o tema, e a evidência é inconsistente. Alguns mostram associações, outros não. A tendência que parece emergir é que os estudos com melhor controle de potenciais fatores de confusão, especialmente aqueles que utilizam análises de irmãos, tendem a não encontrar evidências que apoiem uma associação causal.
JAMA - Vocês identificaram várias limitações para este estudo. Poderia resumi-las?
Lee - A principal é que não é um ensaio clínico randomizado, que é o nosso padrão ouro. A segunda é que, como em qualquer estudo observacional, existe o risco de comparações do tipo "maçãs com laranjas". Abordamos isso com a análise de irmãos para obter uma comparação mais "maçãs com maçãs", mas ainda não é perfeito como um ensaio randomizado. Outra limitação apontada é que o uso de acetaminofeno na Suécia (7,5%) foi menor do que em outros lugares. No entanto, mesmo com esse nível de uso, nossa análise tradicional encontrou a associação estatística inicial, o que mostra que o estudo não estava enviesado desde o início para não encontrar uma associação.
JAMA - Como você pode ajudar os pacientes a entender as mensagens conflitantes que estão atualmente nas notícias?
Lee - As mensagens conflitantes são um desafio, mas felizmente temos órgãos de especialistas clínicos que se posicionaram sobre o assunto. A Sociedade de Medicina Materno-Fetal e o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas chegaram à mesma conclusão de que não há evidências fortes para apoiar uma associação causal. Isso nos leva de volta ao ponto inicial: qualquer pessoa grávida com dúvidas sobre sua saúde deve conversar com seu médico, que, espera-se, será capaz de esclarecer qualquer confusão.
Fonte: Folha de S. Paulo
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